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O ritual

  • Foto do escritor: Angelo Davanço
    Angelo Davanço
  • 29 de set.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 3 de out.



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A cena acontece pelo menos uma vez por semana e está ao alcance público de quem por ali passar. O ritual se dá em plena rua do Irajá, envolvendo um casal na faixa dos setenta anos.


A ação exige um pouco de força, uma corda e uma coordenação que atingiu a excelência pela repetição e pleno envolvimento de ambas as partes.


O senhor estaciona o veículo em frente ao predinho de três andares, vai até a calçada e chama pela senhora.


Não usa WhatsApp, toque de celular ou qualquer outra novidade tecnológica. Vai no gogó mesmo.


Ele a chama e já vai abrindo o porta malas do Golzinho já entrado na idade, mas ainda com a aparência digna e conservada. Nesse meio tempo a senhora já surge com a corda atrelada a uma cesta.


Quando ele chega com as compras o balaio já foi aterrissado e está pronto para ser preenchido. Nesse momento é que começamos a imaginar os cálculos feitos até chegarem no peso ideal para ser içado. Nem tão pesado que dificulte a operação, mas com uma quantidade que evite muitos erguimentos.


A ação é toda realizada em silêncio, eles sabem que nessa logística o papo furado seria dispensável e poderia atrapalhar a concentração. Creio que as conversas se darão no momento da retirada dos produtos de suas respectivas sacolas.


Mas voltemos ao ritual, foi mal o adiantamento da fita.


Enquanto a senhora vai puxando as cestas carregadas, o senhor vai buscando os outros itens. Ele não fica acompanhando a subida. Confia que já chegaram num estágio onde cada membro da equipe só precisa focar em sua função. Finda a transferência da feira o único comentário do senhor é:


- Vou fechar o carro.


É a senha para dar por encerrado o processo. Ele sobe pela escada e vai ajudá-la a organizar o armazenamento - o que é de geladeira e o que é de despensa.


Quando o cenário sai de nosso campo de vista resta-nos puxar pela memória, lembrar que o companheirismo quase cinquentenário muitas vezes resiste por momentos assim banais, singelos e quase sempre ordinários.


Esses momentos e a maneira como são realizados trazem a grandeza e a dimensão que aquelas almas se comportarão nos momentos de indescritível felicidade ou insuportável dor.

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